«Nascemos todos com vontade de amar. Ser amado é secundário. Prejudica o amor que muitas vezes o antecede. Um amor não pode pertencer a duas pessoas, por muito que o queiramos. Cada um tem o amor que tem, fora dele. É esse afastamento que nos magoa, que nos põe doidos, sempre à procura do eco que não vem. Os que vêm são bem-vindos, às vezes, mas não são os que queremos. Quando somos honestos, ou estamos apaixonados, é apenas um que se pretende. Tenho a certeza que não se pode ter o que se ama. Ser amado não corresponde jamais ao amor que temos, porque não nos pertence. Por isso escrevemos romances—porque ninguém acredita neles, excepto quem os escreve. Viver é outra coisa. Amar e ser amado distrai-nos irremediavelmente. O amor apouca-se e perde-se quando se dá aos dias e às pessoas. Traduz-se e deixa de ser o que é. Só na solidão permanece. […] Tenho o meu amor, como toda a gente, mas não o usei. Tenho também a minha história, mas não a contei. O romance que escrevi, escrevi-o para quem não quer saber dos amores ou das histórias de ninguém. Não contei nem inventei nada. Não usei nem pessoas nem personagens. Fugi. Quis mostrar que pertencia ao mundo onde o amor, como as histórias e os romances, existem só por si. Como se me dirigisse a alguém. Outra vez. É sempre arrogante e pretensioso escrever sobre uma coisa que se escreveu. Apenas posso falar do que foi a minha vontade: escrever sobre o amor, semtraí-lo, defini-lo ou magoá-lo; deixando-o como era, antes da primeira palavra que escrevi. Seria inadmissível pôr-me aqui a cismar se consegui ou não fazer o que eu queria. Como seria dizer que não sei. Sei. Sei que não consegui. Só espero não tê-lo conseguido bem.»
Miguel Esteves Cardoso